A morte silenciosa do carro popular
Apaixonados por carro percebem rapidamente as mudanças no mercado automotivo. Por óbvio, ele passa por grandes transformações neste momento.
A hegemonia dos SUV´s em nosso mercado, aplicativos de transporte cada vez mais populares nos grandes centros urbanos, a popularização de motorizações híbridas e elétricas, conectividade a bordo, primeiros testes de veículos autônomos e várias outras inovações tecnológicas, as quais se mostram apenas a ponta do iceberg.
Os fabricantes de veículos hoje se autodenominam “fornecedores de solução de mobilidade”, as locadoras de veículos oferecem serviços de assinatura de automóveis e parte considerável moradores de bairros nobres em grandes metrópoles se desfazem de seus veículos, migrando para o transporte por aplicativos e outras alternativas.
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Estas mudanças comportamentais fomentam o fenômeno silencioso da extinção do carro popular a um estágio muito avançado, o qual passou ao largo até mesmo da maioria dos apaixonados por carro. Este artigo abordará a ascensão e queda dos automóveis produzidos para as massas.
A ORIGEM DO CARRO POPULAR

No início da história do automóvel, apenas os cidadãos mais abastados os possuíam como “brinquedo”. Dada as limitações técnicas dos modelos, produção artesanal em escala reduzida, aliadas ao preço elevado, trouxe limitações ao uso para transporte em larga escala em seus primeiros anos de existência, como relatado neste artigo sobre o primeiro carro do mundo, lançado em 1886 pela Daimler.
MOTORIZAR O POVO, OBSESSÃO DOS GOVERNANTES DO INÍCIO DO SÉCULO XX
Após o sucesso do Ford T, todos os países avançados criaram seus projetos de motorização da população e governantes demandavam aos fabricantes mais notáveis a oferta de modelos acessíveis à grande parte da população. Nas décadas de 20 e 30, muito se falava sobre o carro acessível a todos os cidadãos, mas foi após o fim da Segunda Guerra Mundial que os automóveis populares ganharam as ruas.
Muitos modelos populares muito conhecidos foram lançados neste período: Citroën 2CV, Mini Cooper, Fiat 500 e Volkswagen Sedan – mais conhecido como Fusca em terras brasileiras. Estes foram apenas os mais conhecidos, a partir do final dos anos 1940 e com maior intensidade nas décadas seguintes.
CARACTERÍSTICAS DE UM CARRO POPULAR
Mesmo nas nações mais avançadas, veículos populares possuíam valores elevados em termos absolutos, similares aos praticados para os imóveis. Os fabricantes de automóveis de entrada partiam da premissa a qual o produto seria o primeiro e último a ser adquirido pelo comprador, dada a dificuldade de acesso ao crédito no início do século passado.
Simplicidade construtiva, facilidade de manutenção e eliminação de qualquer luxo ou potencial fonte de falhas se mostravam fundamentais. Muitos motoristas faziam em casa a manutenção do veículo, dada a grande população que morava no campo e escassez de mecânicos. Curiosamente, economia de combustível não gerava grandes preocupações antes das crises do petróleo, no início dos anos 1970. A eficiência energética passou a ser preponderante após a forte alta do preço dos combustíveis.
Da mesma maneira que um cidadão comum adquire uma só residência, e nela permanece ao longo de sua vida, o automóvel deveria ser projetado para ser o primeiro e último, projetado para durar por várias décadas. Ou para ser revendido e utilizado por décadas, por diversos proprietários. Enquanto existirem peças de reposição, o veículo continuará rodando por tempo indeterminado.
Este parâmetro de projeto de engenharia se chama dimensionamento para vida infinita e era aplicado ao motor, cujo bloco poderia ser retificado quantas vezes fosse necessário, e ao chassi, resistente a impactos pequenos e médios, sem deformar, assim como carroceria poderia ser reparada ou substituída ao critério do proprietário.
INTRODUÇÃO DO CARRO POPULAR NO BRASIL
Em meados da década de 50, o governo JK desenhou um plano de industrialização do Brasil e introduzir o carro popular. Foi o início da indústria automobilística nacional e da popularização do automóvel por aqui, com vinte anos de atraso em relação aos países desenvolvidos.
No início da produção de automóveis em território nacional, os modelos de entrada não obtiveram grande sucesso de vendas, devido ao baixo poder aquisitivo da população e ausência de linhas de crédito.
Até o início da década de 1990, a fatia de modelos de entrada não era expressiva. A legislação que reduzia impostos sobre modelos de até 1.000 cm3 deu grande impulso para esta categoria, a qual chegou a representar mais da metade das vendas entre 2000 a 2002, quando nova mudança nas leis tributárias reduziu a atratividade destes modelos, os quais só perderam participação até sua morte silenciosa, nos últimos anos.
CARROS POPULARES MAIS FAMOSOS
Os primeiros carros populares, oferecidos na década de 60, receberam incentivos tributários para custar menos. Em conjunto com a extrema simplificação do acabamento, seu visual era espartano: como o processo de galvanização agregava custos, os pára-choques eram brancos e os detalhes cromados eram retirados.
No interior, o instrumento combinado trazia apenas o velocímetro. O acabamento dos assentos era o mais simples possível. Alguns modelos não traziam forro no teto ou painéis de porta. No aspecto mecânico, todos os componentes eram standard, buscando a facilidade de manutenção.
Essa receita básica persistiu até o final dá década de 80 em mercados maduros e até 2014 por aqui. O forte crescimento da venda de modelos de entrada, na década de 1990, foi impulsionada pelo baixo valor de compra e opções de financiamento. A estabilidade econômica permitiu o surgimento de múltiplas opções de carros populares, a ser pagas em prazos de até 48 meses.
A lista abaixo traz alguns dos principais modelos populares oferecidos no Brasil desde o início da produção local. Os links dão acesso ao verbete na Wikipédia:
DÉCADAS DE 90 E 2000, O AUGE DOS POPULARES NO BRASIL E NO MUNDO
As décadas de 90 e 2000 foram a “era dourada” dos carros populares no Brasil e no mundo. A estabilidade econômica, a partir da implementação do Plano Real, impulsionou a expansão do crédito à pessoa física e facilidade de obtenção de financiamentos, legislações de incentivo à produção e aquisição de modelos populares.
Dezenas de compactos com motorização de 1.000 cm3 surgiram. Alguns viraram febre devido à sua modernidade e atualização em relação aos mercados desenvolvidos, com destaque para o Chevrolet Corsa Wind. Modelos desenvolvidos no Brasil, como a segunda geração do VW Gol – o famoso “bola” ou “bolinha”, e o Fiat Palio foram o primeiro carro de muitos brasileiros. E o primeiro veículo zero quilômetro de tantos outros.
A era dos populares “pé-de-boi” terminou com as mudanças nas legislações de emissões de poluentes, ruído e segurança veicular. As novas exigências do consumidor e inovações tecnológicas levou os automóveis modernos para outros caminhos, desfavoráveis aos modelos despojados.
A MORTE DO POPULAR “RAIZ”
O desenvolvimento, popularização e redução dos custos de produção de tecnologias de segurança, conforto e conveniência levou ao declínio do carro popular original, de acabamento espartano, motor calibrado com ênfase em economia de combustível, poucos equipamentos e acessórios de conveniência e quase nenhum dispositivo de segurança.
A implantação de legislações mais rígidas a respeito de emissão de poluentes e segurança veicular em países avançados, especialmente a partir da década de 1990, equiparou o modelos de entrada aos premium, elevando seus custos de produção, manutenção e venda.
Muitos habitantes de grandes cidades e pouco poder aquisitivo desistiram do sonho do carro popular e viraram adeptos da carona, aplicativos de transporte, motocicletas, bicicletas e outras formas de locomoção. A redução na oferta de crédito e deterioração das condições econômicas de muitos reduziram significativamente o mercado de veículos de entrada.
Por sua vez, os habitantes dispostos a adquirir automóveis novos têm mostrado preferência por modelos de maior valor agregado, mais potentes, equipados e com maior tecnologia embarcada. Pessoas em boa situação financeira recebem melhores ofertas de financiamentos, com prazos mais longos e/ou menores taxas de juros.
Esta combinação se mostra desfavorável aos automóveis mais baratos, pois os consumidores interessados não podem comprá-los, e os que possuem condições optam por modelos mais caros e sofisticados. As novas exigências legais aumentaram o custo-base de produção de todos os automóveis, equiparando modelos de entrada com suas versões mais completas. Essa combinação levou à morte silenciosa do carro popular no Brasil e no mundo.
FIM DO FIAT UNO MILLE E VW KOMBI
As legislações de ruído, emissão de poluentes e segurança veicular, em vigor a partir de janeiro de 2014, levou à aposentadoria modelos populares “raiz” como o Fiat Uno Mille e Volkswagen Kombi, de construção e manutenção enxuta e fiel ao conceito original de carro popular.

A partir da lei que tornou obrigatórios o freio ABS e airbags duplos em todos os veículos novos, teve início um processo de aumento da tecnologia embarcada com aumento de preços proporcional. Houve o fim da oferta de automóveis zero quilômetro a partir de R$ 20 mil a R$ 25 mil e reajustes em base trimestral ou anual.
Em 2020, tornou-se quase impossível encontrar em concessionárias, para pessoas físicas, veículos e entrada novos, vendidos por menos de R$ 40 mil e sem o pacote de equipamentos “básico” – airbag duplo e freios ABS (obrigatórios por lei), ar condicionado, vidros e travas elétricos, direção assistida e equipamento de áudio/multimídia.
Pode-se afirmar que um compacto popular de entrada atual oferece o mesmo conteúdo de um veículo médio vinte anos mais antigo, desconsiderando as inovações indisponíveis naquela época, tais como centrais multimídia com GPS, sistema de som com Bluetooth ou sistema start-stop, para citar alguns exemplos.
POPULARES MODERNOS

Atualmente, pode-se observar no Brasil um fenômeno que se iniciou no final dos anos 80 em países avançados, tendo fim em meados da década retrasada: a “gourmetização” do carro popular. A Volkswagen da Alemanha deixou de oferecer motores aspirados em sua linha de automóvel desde 2014, e pretende repetir o processo por aqui até 2022.
APLICATIVOS DE TRANSPORTE
Nas grandes metrópoles, a população mais abastada tende a abandonar a propriedade de veículos e se transportar por meio de aplicativos, bicicletas, patinetes elétricos outros meios alternativos. Na Europa e EUA, os modelos subcompactos, como Smart e Fiat 500, rumam para a extinção ou eletrificação para uso em trabalho em entregas.
O morador da grandes cidades tendem a abandonar os carros populares como meio de transporte urbano, fenômeno observado pela forte redução na venda de subcompactos em mercados maduros.
FIM DE UMA ERA
O surgimento de novos modais de transporte, aplicativos de compartilhamento e propriedade de veículos, assinatura de veículos, crescimento da participação de mercados da propulsão híbrida e elétrica, aumento do custo de aquisição e manutenção de um veículo, desinteresse das novas gerações por automóveis, a iminência do surgimento do carro autônomo, assim como outras mudanças comportamentais.
Este cenário se mostra hostil para o carro popular, ao passo em que beneficia os modelos de maior valor agregado. O desinteresse da maioria dos fabricantes pelos modelos “pé-de-boi”, com baixas margens de lucro, e por mercados com baixo potencial de crescimento ou com pesada regulamentação – como o brasileiro – levou a morte do popular “raiz”.
A era dos carros populares de mecânica simples, sem equipamento e vendidos na casa dos R$ 20 mil acabou em 2014. De agora em diante, o consumidor só terá acesso ao veículo zero quilômetro se tiver pelo menos o dobro daquele valor para pagar ou financiar.
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